quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

O que foi, homem?

Intensificou-se de júbilo logo pela manhã. Tinha vontade de rir, estava alegre. Afinal, a vida não era tão covarde com ele. Como compensar isso? De que forma agradecer? Questionava-se, mas não se contaminava com a euforia de obter uma resposta. Isso era o de menos, só queria comemorar e brindar a vida. Seria espontâneo? Ainda não sabia.

Não havia nada que iria detê-lo, mesmo a intensa felicidade que ofuscava a perversidade da sociedade, de ir ao trabalho. Seu labor era humilde, não tirava muito com aquilo não. Quem ajudava muito com a criação dos meninos e as despesas da casa era o seu irmão doutor. Ele só vendia batatinha numa esquina movimentada do centro da cidade. Ocupava-se, como sugeria a mulher, empurrava com a barriga, até a velhice chegar um dia e confortá-lo de alguma maneira, isso já era o que ele pensava, a mulher reclamava que nada ia melhorar, que ia passar o resto da vida daquele jeito, penoso e miserável, dependendo de favores de pessoas que sentia não conhecer.

Ele tinha seus motivos para estar alegre e ir para seu trabalho sossegado, de alma lavada. Os meninos iam bem no colégio, com certeza iam ter um futuro como o do irmão que já garantira ajudar a colocá-los numa boa universidade. Isso lhe encheu de algo inefável, contaminador.

Na rua, perceberam facilmente essa felicidade anormal e indescritível por ser diferente, exacerbada.

- O que foi homem? Passou no bar, foi?

Nem respondeu. Quando percebeu já estava esquentando o óleo, logo as pessoas chegariam interessadas em algo crocante, seco, quente e delicioso. Ele daria o melhor de si. Aquele dia era diferente, merecia. Ele não queria dinheiro, claro que queria. Não queria era entrar num ritmo onde as pessoas, muitas pessoas, acabavam tendo de comer batatas-fritas não muito boas só porque tinha de atender a todos na intenção de faturar muito no dia. Cansara disso. Queria, agora, caprichar no serviço, ser menos atabalhoado, atender as pessoas da maneira que mereciam, nem que para isso seu lucro fosse reduzido pela metade. Estava decidido. Era assim que iria compensar a alegria de ver as coisas dando certo.

Decidido, começou a exercer seu ofício com maestria. Uma moça acompanhada de um menino adentrando na puberdade vinha de longe e ele sabia o que queriam, já era experiente. Os primeiros do dia, do ótimo dia. Presenteá-los-ia. Faria sua melhor performance, irão comer da melhor batata-frita da cidade. Soava como tolice, mas era o que queria. Abriu o sorriso quando a moça dirigiu-lhe o olhar:

- Me dê uma, por favor. Disse ela já tirando as moedas da carteira.

- Uma batata-frita, viu? Ajudou o menino, julgando que a irmã não tinha sido muito clara.

- Tá na mão.

E estava. Não demorou e obteve as moedas da moça e um singelo "obrigado". Eles deviam não saber, mas o homem tinha se esforçado para compor aquele tira-gosto, se esforçado para fazer o melhor, assim como um nadador olímpico o faz para obter um novo recorde, assim como uma bailarina o faz para executar perfeitamente sua dança, assim como um chef o faz para agradar convidados reais, assim como um músico o faz para realizar uma sinfonia perfeita. De certo, tinha realizado algo que, para ele, beirava a obra-prima.

Notou que seu desempenho não fora notado, mas não reagiu negativamente. Lembrou o motivo que o fizera buscar essa perfeição, a compensação da felicidade, e energizou-se novamente daquele júbilo não tão inexplicável agora. Alguém havia de notar, continuaria assim. Se isso não ocorresse, paciência! Queria colocar um ditado agora, mas nunca os dominara bem, a mulher sim fala de ditados muito bem, mas ele...


*


Mais tarde.

- Mana, cê memorizou onde fica aquela esquina da batata daquele cara?

- Acho que sim, por quê? É boa a batata dele?

- Excelente! Lembrar de quando estiver por aqui voltar lá. Foi, sem dúvida, a melhor batata-frita que eu já comi.

Um comentário:

  1. Josué, esse final foi o diferencial do texto. Acho que essa foi a intenção. Texto bem escrito, bem claro. Passa bem a mensagem que quer passar!
    Conselho: o título não favorece o texto. Eu não me interessei pelo texto, pelo título. Mas o texto é bom de ler. Mas eu só li pq lhe conhecia e sei que vc é bom, mas quando vi o título, não me agradei muito.
    Acho que vc poderia ter se extendido um pouco mais, pra que a gente conhecesse mais o personagem, se envolvesse com ele.
    Mas eu gostei, honestamente!

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