domingo, 8 de março de 2009

Bom dia

Ela estava à minha frente. Andava com graça, me chamou a atenção. Não estava demais exuberante, era um dia comum e o seu vestuário estava tal como aquele dia: comum.

A visão que eu tinha não era das melhores, eu a via de costas andando majestosamente, o longo cabelo, amarrado num apertado rabo-de-cavalo, dançava e me hipnotizava. Eu até podia sentir seu perfume, não lembro a fragrância, mas posso dizer que me atrai bastante.

A avenida estava sendo reformada, uma obra da prefeitura. A poeira era muita, o barulho também. Eu conhecia aquele trecho. Pegava-o todo dia, nunca a vi por ali. Quem era? Para onde ia?

Minhas passadas eram rápidas, certamente, ia ultrapassá-la tal qual um caminhoneiro numa BR, mas me contive, eu podia apreciá-la mais um pouco, então, o fiz. Retardei ao máximo meus passos a fim de segui-la, como uma sombra. Meu Deus, ela nem tinha idéia do que se passava ali, os ruídos da construção eram intensos demais e a impediam de sentir minha presença, apesar de eu estar consumindo a sua como uma droga que se inala. Eu pretendia ter uma overdose.

Eu pensava na investida. Um despretensioso 'bom-dia' seguido com uma conversa desinteressada poderia valer se ela conseguisse me ouvir com toda aquela barulheira. Mais ao longe talvez ela consiga, pois a obra era localizada apenas naquele trecho. Eu enrolaria mais um pouco até dar o pulo do gato.

Ela olhou o relógio e apressou o andado. Estava atrasada? O rabo-de-cavalo balançava mais intensamente.

Minha hora estava próxima.

Assim que o barulho aparentou estar distante, cortei a diagonal, e quando pude perceber ela estava quase ao meu lado. Ouvi uma canção entoada pelos seus lábios, que só então agora eu pude ver, finos. 'Meu mundo caiu'. Ela estava cantando, cantando divinamente. Percebeu que podia estar sendo ouvida e cerrou os lábios severamente. Por quê? Estava tão bem! Percebeu minha incômoda presença e parou. Olhou pra mim e parou, não consegui evitar, fiquei fitando-a por uns minutos.

- Bom dia, ela disse envergonhada, constrangida, parecendo querer consertar algo.

- Bom dia, respondi em seguida, tranqüilizando-a.

Com os nossos 'bom-dias' queríamos dizer muito mais. Ela, talvez, sentia-se nua, provavelmente, aproveitou o barulho ensurdecedor da construção na avenida para soltar a voz, coisa que aparentava fazer às escondidas. Eu, como já se sabe, queria-a para mim.

Consegui ouvir sua voz por poucos segundos, mas foi o bastante. Possivelmente por causas televisivas, cantava aquela música tristonha que me lembrava minha tia-avó. Mesmo assim, me encantei por ela, pelo seu rabo-de-cavalo dançante e pelo seu canto furtivo.

Fiquei ao seu lado, a qualquer momento podia iniciar minha conversa desinteressada, mas não o fiz. Estava assustado com sua presença. Olhava-a de soslaio, percebendo seus olhos, sua boca, suas mãos, suas pernas, seu busto, seu corpo como um todo. Fiquei por isso mesmo, decidi arriscar no amanhã. Ela dobrou numa esquina, disse 'tchau' e se foi. Com sorte, talvez, nos víamos depois.

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