quinta-feira, 30 de julho de 2009
Enxergara a vida como ela é.Com as coisas boas e ruins.Uma fada má lhe rogara essa praga quando criança: Você verá mais que os outros, enxergará o profundo abismo da alma humana e mergulhará nele como uma suicida.
E lá estava ela, afundando no seu próprio abismo, tentando achar um caminho ao qual seguir.Afinal, por tantos descaminhos havia andado, sem achar o objetivo de estar ali.Se é que esse objetivo existe, será que ela simplesmente não foi jogada no mundo como um brinquedo ou experiência?Por que ela foi escolhida para esse papel?
Olha pra fora e o que conhece só serve pra desestimulá-La a sair do quarto, aquele mundo que suga toda a vitalidade que há no ser humano.
Não doutor, não estou deprimida!Eu estou vivendo do jeito que eu quero, isso é doença? Ser feliz, fugindo das auguras da vida.Mas fugir nunca foi a solução, apesar de ter lhe ajudado até agora.Sabia ser apenas um paliativo.Aquelas paredes não impediriam que o mundo invadisse sua alma por definitivo,impregnando seu corpo de verdades que só estavam em sua mente.
Devia fazer o que queriam, sair dali, fingir que era tudo ilusão, esquecer o que sabia e ir adiante naquela farsa de vida .Então apagou a luz do quarto e bateu a porta.
quarta-feira, 8 de julho de 2009
Memórias dos meus antigos devaneios.
Afinal, de que lhe valiam aqueles olhares, aqueles sorrisos, todos falsos, todos ilusão.Tinha 30 anos.E o que ela fez?Nada!
A família que ela tanto prezava pela qual lutara. Agora, nem vestígio sobrava. Tudo acabara como a brisa que toca os cabelos da moça na madrugada fortuita.
Então ela pegou sua bolsa e saiu. Não tinha mais nada, nem queria mais nada. Um carro na rua tocava Chico, que nessa música falava do moleque que rege nossas vidas. Isso é, para alguns...
Um velho lhe deu bom dia. Tão inesperado quanto o cego de Clarice, mas nem isso provocou nela a humanização que já tinha.
Ela chegou em casa e pegou o álbum de fotografias antigas.Estavam todos lá.Toda a família com a felicidade plastificada!E se ela tivesse feito as coisas diferentes? Se não tivesse se casado com aquele homem?Não tivesse tido aqueles filhos?Afinal, quem foi que disse que ela queria tê-los?
Será que por isso fora castigada com aquele mal que lhe destruía minuciosamente o corpo e a aparência, coisa tão importante?Ou por não ter seguido a carreira eclesiástica?Pronto!Estava decidida: Se curada desse mal seria freira!E o convento a aceitaria?Bom, isso não faria diferença, já que a vida não a aceitara antes.
Pegou uns comprimidos e foi dormir. Um sono leve e reconfortante. Uma quase-morte.
sexta-feira, 24 de abril de 2009
De Portas Abertas
Lacunas entre pensamentos
Paralisação do nervo óptico:
Fotografia na memória.
-Perfure, perfure agora, doutor!
Aproveite que meu corpo virou borracha
Faça comigo o que quiser,
só não me deixe de portas abertas.
Feche meu peito,
que ele não aguenta mais injeção.
Injete morfina, mas Amor, não.
Feche meus braços,
para eu me abraçar.
Quero toque de carinho
de quem me precisar.
Feche minhas pernas,
que eu não quero mais!
Já fui pele macia, dormi como os caracóis,
mas quis demais dos Beija-flores
que já não me quiriam.
Não faça como eles, doutor!
Me deixe coberta,
mesmo que sirva só para eu conhecer o calor.
Porque depois de hoje,
eu só quero voar como as Borboletas.
segunda-feira, 30 de março de 2009

sábado, 28 de março de 2009
a filha de gil
O grito fez desaparecer as imagens do que parecia ser o sono intranquilo da mulher, que só teve tempo de encontrar a toalha e correr ao quarto da filha. Os corredores escuros da casa envolviam a mulher que logo fez-se mulher na eterna madrugada das vontades - tantos gritos ouvíamos -, becos que escondem dos curiosos visitantes o interior, o desaconchegante interior da família. E trancam-se... Ela ouve o grito e acorda. O grito passeia pela mulher, chega ao banheiro onde dorme um corpo de pele enrugada e ainda só, ainda assim. Faz-se ouvir.
No quarto da menina alguém escapa pela janela e larga na pequena cama em formato de coração um punhal, lápis dos muros da menina. A menina corre para a mãe, abraça a mãe, chora.
- Ele?
Gil apanhou o punhal e seguiu pela estrada.
Chegou pelos fundos da casa e foi com terror que viu o homem no quintal, despido em carne ainda morta, desenho que virtua-se em espiral. Ele, ancorado numa árvore, masturbava-se. Ela empunhou a faca e avançou alguns passos, o rosto paralizado como que em transe: "para com isso", e ele chorava, pedia perdão, perdia tempo, o corpo suado que se movimentava lentamente pelo espaço, que umedecia com a ponta da língua os lábios sempre secos, que acariciava o peito. O rosto da menina aparecia no turbilhão das imagens e perfumes, sempre sozinha, delicada e sozinha no escuro beco que de noite era só silêncio... "Para!"
- Escuta Gil, eu não fiz nada com ela.
- Para!
- Eu te amo Gil!
A cólera tomou a mulher, porque esta correu até ele e enfiou-lhe a faca no peito, perfurando-o várias vezes, sentindo o gosto do sangue, e rindo até!, e enfiando a outra mão nos cortes que fazia, procurando, talvez, por algo - são abismos aqui? Desfigurou-lhe todo o corpo, cansou.
Jogou a faca para longe e se preparava para ir. Foi quando olhou para trás e viu que o pênis permanecia ereto. Ajoelhou-se ao lado do corpo e o pôs em sua boca. Chupou-o violentamente, até que o homem gritou.
David Oliveira
domingo, 8 de março de 2009
Bom dia
Ela estava à minha frente. Andava com graça, me chamou a atenção. Não estava demais exuberante, era um dia comum e o seu vestuário estava tal como aquele dia: comum.
A visão que eu tinha não era das melhores, eu a via de costas andando majestosamente, o longo cabelo, amarrado num apertado rabo-de-cavalo, dançava e me hipnotizava. Eu até podia sentir seu perfume, não lembro a fragrância, mas posso dizer que me atrai bastante.
A avenida estava sendo reformada, uma obra da prefeitura. A poeira era muita, o barulho também. Eu conhecia aquele trecho. Pegava-o todo dia, nunca a vi por ali. Quem era? Para onde ia?
Minhas passadas eram rápidas, certamente, ia ultrapassá-la tal qual um caminhoneiro numa BR, mas me contive, eu podia apreciá-la mais um pouco, então, o fiz. Retardei ao máximo meus passos a fim de segui-la, como uma sombra. Meu Deus, ela nem tinha idéia do que se passava ali, os ruídos da construção eram intensos demais e a impediam de sentir minha presença, apesar de eu estar consumindo a sua como uma droga que se inala. Eu pretendia ter uma overdose.
Eu pensava na investida. Um despretensioso 'bom-dia' seguido com uma conversa desinteressada poderia valer se ela conseguisse me ouvir com toda aquela barulheira. Mais ao longe talvez ela consiga, pois a obra era localizada apenas naquele trecho. Eu enrolaria mais um pouco até dar o pulo do gato.
Ela olhou o relógio e apressou o andado. Estava atrasada? O rabo-de-cavalo balançava mais intensamente.
Minha hora estava próxima.
Assim que o barulho aparentou estar distante, cortei a diagonal, e quando pude perceber ela estava quase ao meu lado. Ouvi uma canção entoada pelos seus lábios, que só então agora eu pude ver, finos. 'Meu mundo caiu'. Ela estava cantando, cantando divinamente. Percebeu que podia estar sendo ouvida e cerrou os lábios severamente. Por quê? Estava tão bem! Percebeu minha incômoda presença e parou. Olhou pra mim e parou, não consegui evitar, fiquei fitando-a por uns minutos.
- Bom dia, ela disse envergonhada, constrangida, parecendo querer consertar algo.
- Bom dia, respondi em seguida, tranqüilizando-a.
Com os nossos 'bom-dias' queríamos dizer muito mais. Ela, talvez, sentia-se nua, provavelmente, aproveitou o barulho ensurdecedor da construção na avenida para soltar a voz, coisa que aparentava fazer às escondidas. Eu, como já se sabe, queria-a para mim.
Consegui ouvir sua voz por poucos segundos, mas foi o bastante. Possivelmente por causas televisivas, cantava aquela música tristonha que me lembrava minha tia-avó. Mesmo assim, me encantei por ela, pelo seu rabo-de-cavalo dançante e pelo seu canto furtivo.
Fiquei ao seu lado, a qualquer momento podia iniciar minha conversa desinteressada, mas não o fiz. Estava assustado com sua presença. Olhava-a de soslaio, percebendo seus olhos, sua boca, suas mãos, suas pernas, seu busto, seu corpo como um todo. Fiquei por isso mesmo, decidi arriscar no amanhã. Ela dobrou numa esquina, disse 'tchau' e se foi. Com sorte, talvez, nos víamos depois.
terça-feira, 24 de fevereiro de 2009
O que achava ser meu
Guardado para mim
Já não era
E o que achava ser para sempre
Acabou-se
Como todas as coisas estão fadadas a acabar
E o que antes era eterno
E o que antes era meu
Ou pelo menos a ilusão era minha
Eu perdi...
Como quase tudo é perdido...
E o que fazer a respeito?
Aproveitá-las aos poucos, em conta gotas
Guardando os restos em uma caixinha?
Ou aproveitar tudo de uma vez?
Como se o mundo não girasse
E o tempo fosse uma valsa
Tocando a nosso favor
E assim a vida se escoa
Cada gotinha caindo entre as mãos
Se esvaindo e se acabando...